É hora de rever a precificação

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Sheila Hissa - redacao@savarejo.com.br -

Mas atenção: preço baixo para o consumidor nem sempre é literalmente preço baixo. Mas, sim, uma combinação de variáveis, algumas com maior peso, outras nem tanto

Foto: Freepik

Coloque no mesmo caldeirão os seguintes ingredientes: alta da inflação, avanço do desemprego, endividamento elevado, queda na renda, aumento nos juros, safras ruins, insumos caros, repasse de custos, ruptura nas entregas, eleições. Já sabe, não é? Volta às telas o filme “Socorro! Encolheram a minha margem”. E se inicia a nova temporada “Eu sei o que você fez com a precificação no verão passado”.

São tempos difíceis, de desafios em efeito cascata e de mudanças no mercado e no comportamento de consumo do brasileiro. Hora de rever ou ajustar a precificação. E, para muitos, de investir ou reinvestir em metodologias, obtenção de dados, processos, inteligência artificial e outras tecnologias.

Pesquisas da consultoria dunnhumby reforçam o que já era sabido: preço baixo para o consumidor nem sempre é literalmente preço baixo. Mas, sim, uma combinação de variáveis, algumas com maior peso, outras nem tanto. A novidade é que a simbiose entre sortimento e valor se tornou mais evidente e seu entendimento, ainda mais relevante para uma bem-sucedida precificação.

Com uma amostragem de 7 mil pessoas, o estudo de Preferência do Consumidor (IPCon) analisou os atributos que mais geram satisfação do consumidor na escolha do varejista. Em 2018, preço e promoção eram o primeiro atributo. Já no estudo IPCon de 2021, ele caiu para o segundo lugar, enquanto sortimento/qualidade assumiram a liderança.


Rogerio Aversa, diretor de preços e promoções da dunnhumby, explica: “entender como a conexão entre mix e preço se articula é o pulo do gato para obter bons resultados”. Ou seja, não adianta ter os melhores preços se o consumidor não encontrar o que procura e a qualidade que deseja.

Guerra de preços ou de percepção de preços

É bom lembrar que o consumidor não separa preço de promoção. Para ele, é uma coisa só. A separação só existe para que varejo e indústria possam organizar seus processos e suas negociações. Ao varejista cabe iniciar ou refazer um bom estudo de elasticidade, que contemple o preço regular e as variações possíveis para cima e para baixo. Afinal, a ideia é gerar promoções que aumentem o volume e reforcem a imagem que a rede deseja imprimir. Crenças e achismos saem do jogo.

Na evolução da precificação é importante adotar softwares com inteligência artificial e algoritmos avançados de otimização de preços. E a matemática avançada permite preservar ou aumentar a rentabilidade dos SKUs

“É fato que 50% das pessoas comparam preço/promoção, mas é fato também que 43% delas escolhem a loja pela qualidade do sortimento”, explica Aversa. Ele lembra ainda que o consumidor esquece o preço de mais de 50% dos itens cerca de 30 segundos depois de tê-los colocado no carrinho. “Esses dados desmistificam o peso excessivo dado pelo varejista às promoções”, acrescenta. O executivo afirma, entretanto, que, apesar das evidências, as promoções cresceram muito na América Latina nos últimos cinco anos. Elas saltaram de 25% a 30% do faturamento para até 50% da receita. E quase 60% delas simplesmente não se pagaram. O aumento no volume de vendas não justificou o investimento feito pelo fornecedor e pelo próprio varejista.

Para evitar promoções desnecessárias ou que canibalizem as vendas, é preciso dar foco à lógica e ao cruzamento e análise de dados. Ninguém compra desodorante promocionado porque vai usar mais vezes. Trata-se apenas de uma antecipação da compra. “No máximo, varejista garantiu que o item ou o pack saiu da sua prateleira, mas se isso foi bom ou não já é outra história”, considera Aversa. Uma promoção é boa se garante volume sem sacrificar em demasia a margem, se gera fluxo e provoca a compra de outros produtos, se não comprometeu o giro de itens de maior valor agregado e não levou o cliente para um movimento de trade down na categoria.

Com chocolate é diferente. Não se trata de fazer estoque. Quanto mais a pessoa consome, mais tem vontade de consumir. “Packs e outras promoções fazem sentido. Mas o benefício tem de estar evidente para o shopper”, comenta Aversa. “Como ele decide a compra em 5 segundos, em média, a promoção precisa deixar evidentes o percentual de desconto, a economia em reais ou qualquer outro benefício”, adverte.

“ As vezes, os empresários entram em uma guerra de preços desenfreada e, mesmo negociando compensações com a indústria, geram perdas significativas na margem. Eles reduzem um preço aleatoriamente, só para enfrentar a concorrência, e entram numa corrida de fundo do poço”, pondera o executivo.

Segundo o diretor da dunnhumby, vale dizer que o melhor não é ganhar a guerra de preços, mas, sim, a guerra da percepção de preços. Essa percepção é formada com poucos itens da cesta de compras, cujos preços o consumidor conhece e aos quais é mais sensível.

A dunnhumby propõe a seus clientes um estudo inicial, com uso intenso de algoritmos e ciência de dados, para determinar os 300 a 500 SKUs que irão formar a imagem de preço. Segundo Aversa, esses itens são os que têm maior participação percentual nos tíquetes dos clientes sensíveis a preço. ”Com isso, o varejista pode comparar os preços das suas lojas com as de seus concorrentes próximos – supermercados, açougues, sacolões, padarias, etc. –, e determinar qual a escala de valores indicada para melhorar a percepção do shopper, sem destruir valor

Elasticidade é a maneira de calcular quanto a variação de preço influencia a variação de volume. Uma boa precificação deve levar em consideração não só a elasticidade, mas também as canibalizações, os efeitos sazonais, as variações de custos e a competição com concorrentes. Deve também considerar a estratégia da empresa e o papel das categorias

Pense rápido: o que acontece se a promoção do frango for boa, mas a loja tiver uma Sibéria na área de refrigerados, corredores mal iluminados e espaços sujos e bagunçados? O consumidor circulará com vontade entre as gôndolas ou sairá correndo da loja com o item promocionado? Pense agora em uma loja com posicionamento de preço baixo, mas que desrespeita os prazos de validade, tem muita ruptura nas gôndolas e produtos de baixa qualidade. O consumidor enfrentará a loja bravamente ou procurará outra (melhor) com a mesma política de preço? A resposta, segundo Rogerio Aversa, é uma só: é fácil atrair clientes com preço baixo; difícil é gerar incremento nas vendas e novas visitas. Não é à toa que o atributo experiência de compra aparece sempre na terceira posição na pesquisa da dunnhumby. “É um pilar importante que conversa intimamente com os demais”, diz o executivo


Foto: Arquivo SA Varejo - André Valentim

Sortimento aparece outra vez na pesquisa de Preferência do Consumidor ao apontar pela primeira vez o atributo produtos frescos, naturais e orgânicos como importante na escolha de uma loja. Em 2018, a comunicação de preço ocupava a 4ª posição, mas hoje os hortifrútis conquistaram essa posição. “É uma mudança no consumo do brasileiro que se consolida a cada ano e exige abordagens cada vez mais refinadas”, alerta o diretor da dunnhumby. Para ele, decretar preço baixo não é solução.

O FLV traz frequência para a loja e pode alavancar vendas de outras categorias, sejam de reposição, complementares, consumo imediato ou indulgência. Pode, inclusive, levar o cliente mais natureba ao açúcar e arroz orgânico, aos laticínios e pratos prontos veganos ou às carnes vegetais.

Sortimento/qualidade/preço têm uma conexão ainda maior no caso dos hortifrútis. “É só pensar em tomates em estado de apodrecimento, frutas machucadas ou verduras murchas”, diz Rogerio Aversa. “Cada produto tem de ter o nível adequado de frescor, maturidade, validade e aparência. Do contrário, por mais barato que seja, o consumidor não leva”, considera. O executivo lembra ainda que o FLV é um setor sensível, até pelo volume de perdas e pela quebra de safras, que influenciam fortemente os preços. “As perdas têm de ser sempre diminuídas, e o preço, construído com inteligência”, conclui o executivo.

O consumidor brasileiro aproveita bem as promoções de packs e embalagens econômicas, mas, às vezes, deixa de comprar outros produtos porque não tem como esticar a carteira. “Se shopper dispõe de apenas R$ 100, é dentro desse orçamento que tomará as decisões”, diz Rogerio Aversa. Se comprar um pack de desembolso maior, ainda que vantajoso, terá de cortar alguma coisa da sua lista. Toda cautela e ciência de dados, portanto, têm de ser mobilizadas

Marcas próprias sobem no ranking
Outra surpresa da pesquisa da dunnbumby é a ascensão de marcas próprias para a 5ª posição e a saída das promoções personalizadas do ranking. A crise econômica, agravada no Brasil pela pandemia, está sinalizando que marcas próprias começam a ser mais consideradas pelo consumidor, ainda que não tenham disparado no Brasil. Não é à toa que estudos de viabilidade ganharam força entre redes varejistas no último ano. Para o supermercadista pode ser uma alavanca de margem e volume. E, para o consumidor uma opção de preço com qualidade.

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